sexta-feira, 3 de novembro de 2017

As pessoas não se aceitam como são?

Natália Dias é psicóloga clínica. Débora Água-Doce é psicóloga clínica n'O Canto da Psicologia e autora do blogue "a psicóloga que também é blogger". Ambas são membros efectivos da Ordem dos Psicólogos Portugueses e especialistas perfeitamente aptas para descortinar as motivações que levam as pessoas a quererem mudar aspectos tão naturais como a cor dos olhos.

O aumento do número de cirurgias deve ser preocupante, acima de tudo porque tudo o que diga respeito a uma alteração física deve ser avaliado com o máximo respeito e cuidado. Apesar de a imagem ser cada vez mais importante na sociedade, Débora Água-Doce acredita que “devemos aceitar-nos como somos, entendendo que cada um tem a sua construção do belo e que isso não faz de nós superiores ou inferiores a outros”.

Esta notícia é um alerta porque “revela que as pessoas não se aceitam e estão cada vez mais insatisfeitas com elas próprias, procurando soluções que os fazem perder a real identidade”, rematou.

Para Natália Dias, “é da nossa responsabilidade a reflexão e compreensão de aspectos de natureza psicológica e emocional que podem estar a conduzir a um mal-estar no modo como estas pessoas se sentem consigo próprias e na relação com os outros, que as levam a uma necessidade de mudança da sua aparência através da alteração da cor dos olhos”, afirmou.

As motivações

Para Débora Água-Doce existe um problema de auto-estima. “Só quem não se aceita na sua pele, quererá mudá-la”, salientou. O peso da sociedade é brutal. A imagem do belo e do perfeito tem um peso incomensurável.

Nestas situações, enquanto psicóloga clínica, importa deixar alguns conselhos que começam com algumas questões.

“Já o tinha pensado fazer antes de ouvir falar nessa possibilidade? Porquê alterar algo que é só seu? Está a ser influenciado pelas tendências da moda? Fá-lo como se fosse uma tatuagem? Já pensou nos riscos? E os seus futuros filhos, terão olhos diferentes dos seus, já pensou? Porque não procurar outras fontes de satisfação que não a imagem?” Respondidas estas questões, ponderando os prós e os contras, cabe a cada um decidir o que é melhor para si.

Perante a complexidade da natureza humana, o psicólogo em contexto clínico deverá sempre assumir uma postura muito cuidada e variável consoante a pessoa que tem à sua frente. Na vertente dos procedimentos estéticos, o papel deste profissional tem assumido especial relevância, tal como evidenciou Natália Dias. “É fundamental uma avaliação psicológica no período que antecede a cirurgia propriamente dita e um acompanhamento psicológico no período pós-operatório uma vez que poderão surgir situações que requerem uma intervenção psicológica”, salientou.

Na primeira parte, avaliando o estado psicológico actual do doente, o objectivo passará por disponibilizar à equipa médica um conjunto de critérios sobre a presença de alguma psicopatologia que poderá ser uma contra-indicação. Por outro lado, é importante avaliar as motivações individuais e as expectativas. “Ao mesmo tempo, esta avaliação permite avaliar potenciais consequências gravosas para o bem-estar psicológico da pessoa, quando se verifica a existência de expectativas irrealistas e idealizadas sobre o procedimento e os benefícios que podem advir da realização do mesmo, sejam eles ao nível físico, psicológico, social e pessoal”, ressalvou Natália Dias em declarações à Blasting News.

Depois de analisados estes aspectos, importa perceber se existe alguma insatisfação com o corpo ou distorções na representação mental que a pessoa construiu sobre o seu próprio corpo. “É importante indagar as razões da insatisfação com o corpo e compreender a extensão das distorções, de modo a alcançar um maior ajustamento”, acrescentou.

Em suma, antes de qualquer procedimento estético, é importante analisar as motivações em várias perspectivas, não só de natureza “emocional e psicológica” mas também “sociocultural, relacional e profissional”, concluiu Natália Dias.